A história completa da minha transição barefoot e o relato da minha primeira corrida longa
Hoje fiz minha primeira corrida longa #barefoot e resolvi vir contar o relato pra vocês.
Pra quem chegou agora, tudo começou em 2022 quando fiz uma lesão séria durante uma prova (uma tendinite no músculo glúteo). Olhando pra trás, fica muito claro que essa lesão aconteceu por causa de um tênis com excesso de amortecimento.
Comprei esse tênis super empolgada, pois estava evoluindo na corrida e achei que esse seria o caminho certo a tomar – mais kms, mais amortecimento.
No primeiro dia que usei o tênis, achei estranho. Parecia que eu estava pisando em uma almofada, mas não de uma forma confortável e sim de uma forma que deixava o pé como se numa corda bamba, sem firmeza. Sem falar que ele me apertou. E o pior – senti uma dor na sola do pé como se tivessem fincado uma faca. Meu corpo tentou falar comigo e eu, teimosa, não ouvi.
Fui usando ele até me adaptar e vi que, realmente, minha velocidade aumentou – ele “quica” mais e me impulsionava mais. Nos treinos longos, terminava com dor no pé, como se meu pé tivesse saído de uma caixa de madeira apertada. Ganhei algumas unhas roxas e perdi uma. Mas deveria ser normal, afinal “todo corredor” usava tênis assim né?
Até que veio a lesão. Fiquei mais de 1 mês sem correr, demorei muitas semanas (e muitas sessões de fisioterapia) até conseguir fazer de novo 5km. Nessa época, minha treinadora me orientou a começar a fazer exercícios de fortalecimento para os pés, que isso ajudaria na recuperação. Resolvi então ir atrás dos meus materiais da época da residência (onde ensinávamos exercícios para pessoas portadoras de “pé diabético”) e de buscar informações mais recentes a respeito.
Foi quando me deparei com o conceito de calçados que imitavam a sensação de pés descalços (os chamados “barefoot shoes” – o termo barefoot em inglês significa pé descalço) e os benefícios desse tipo de prática, em oposição ao malefício que é passar uma vida inteira usando calçados que não foram feitos para o formato do pé humano. Que a causa da maioria das lesões de pé – joanetes, esporão, fasciíte plantar – é na verdade deixar o pé espremido, perdendo mobilidade e encurtando tendões, ao longo de todo dia, ao longo de toda vida.
E aí tudo fez sentido. Depois de algumas semanas exercitando os pés e sentindo os benefícios disso pra minha lesão, no final de 2022 comprei meu primeiro tênis barefoot. Fiz até resenha sobre ele, veja nesse post aqui.
Durante todo o ano de 2023, fui passando a ficar cada vez mais descalça em casa e a usar cada vez mais calçados barefoot no dia a dia. Para trabalhar, para treinar. Mas ainda não pra correr. Me percebi chegando ao final do dia bem menos cansada, bem menos incomodada. Me percebi terminando um dia de trabalho e indo no mercado sem dor no pé. Ficando o dia inteiro em pé dando aula, em eventos, sem dor no pé.
Até que cheguei num ponto em que eu já não conseguia mais usar outro tipo de calçado no dia a dia. E depois de viver com os pés praticamente livres, depois de “sair da caixinha”, foi ficando cada vez mais difícil voltar pra ela na hora de correr nos meus tênis de corrida “normais”. Então eu decidi começar a minha transição de corrida barefoot.
Conversei com a minha treinadora que me orientou a começar pequeno. Começar com um tênis de corrida de drop mais baixo (sem aquele “salto” que vemos nos tênis modernos) e, com o tênis barefoot, começar com 50 metros por vez, 1-2 vezes por semana, depois aumentar pra 100 metros, 150 e assim por diante. Comecei esse ciclo em outubro de 2023 – época em que me inscrevi pra minha primeira meia maratona (que será em agosto de 2024).
No começo, me deu medo. Minha ideia era transicionar de vez para a corrida barefoot só depois da meia. Afinal, eu era a única pessoa que eu conheço que estava indo por esse caminho. Sei que tem muita gente por aí adepta da “corrida natural”, mas não no meu circulo de convívio próximo.
Meus treinadores e meu fisioterapeuta super me apoiaram, mas ainda assim, eu era a única fazendo isso. Perto de mim, só via placas de carbono e milhares de tecnologias diferentes de amortecimento para os tênis. Será que eu estava errada?
Quando fiz meus primeiros 50 metros (out/23), me senti muito bem. Sem dor no pé, sem nenhum sobressalto. Fui aumentando aos poucos, ainda relativamente insegura quanto a essa escolha, mas aprendendo a ouvir o meu corpo no processo. Prometi a mim mesma que nunca mais iria ignorar seus sinais como fiz na época do tênis “mastigador de pé” que me machucou.
(observação: eu escolhi usar calçados barefoot ao invés de correr completamente descalça pois corro na rua e sempre tem risco de machucar – pedras, cacos de vidro, etc. E esse tipo de calçado evita machucado na pele mantendo a biomecânica do pé descalço).
Em fevereiro de 2024 (já correndo cerca de 500m barefoot 2x por semana) eu resolvi começar a ler o livro “nascido para correr”.
Gente, esse livro fez um “boom” na cabeça.
Para além da história contada no livro (que é muito legal), o autor – que é um jornalista esportivo especializado em esportes radicais e também ultramaratonista – faz uma pesquisa histórica sobre a indústria dos tênis de corrida. Sobre o quanto o conceito de que amortecimento faz bem para o corredor veio de informações dos fabricantes de tênis, nunca de artigos científicos. E o quanto os artigos mostram exatamente o contrário – que desde que o solado dos tênis começou a aumentar, o índice de lesões aumentou junto.
Nas maratonas antes da década de 80, os tênis usados eram todos de sola reta. Se olharmos nas fotos e filmagens históricas, veremos isso. E o índice de fasciíte plantar, esporão e joanetes também era menor.
E se olharmos para outros esportes que também tem corrida e salto – como futebol, basquete e vôlei – vemos que seus calçados “oficiais” não tem amortecimento. Então por que é só na corrida que a corrida faz mal?
Esses e outros questionamentos colocados no livro, além dos dados científicos apresentados (que iam de acordo com o que eu vinha pesquisando) me mostraram que eu estava no caminho certo. Que eu não precisava ter medo ou dúvidas.
Então, depois de tudo isso, eu resolvi fazer um teste. Na época, já estava correndo 1km, 2x por semana com os tênis barefoot.
Então, no dia 1 de maio de 2024, fiz minha primeira corrida inteira de tênis barefoot. Foram 4 km (era um treino de “rodagem”) e eu terminei me sentindo muito bem! Sem dor no pé, sem dor em lugar nenhum (apenas a “dor” normal de músculo cansado).
E foi uma experiência muito interessante, pois eu comecei a sentir tudo o que estava acontecendo. Onde meu pé estava tocando o chão. O movimento que ele estava fazendo. Onde o tênis encostava no pé. Ou seja, eu comecei a ganhar o que chamamos de “propriocepção” (a capacidade que nosso corpo tem de perceber a si mesmo).
Na corrida seguinte, fiz barefoot de novo. E quando voltei pro tênis “normal” foi que me dei conta do quanto ele “quica”! Mesmo sendo um tênis de drop baixo! E do quanto meu tênis mais antigo (e teoricamente mais confortável) na verdade me aperta e machuca minhas unhas!
Então, depois de menos de 20 dias, decidi hoje, 19 de maio de 2024, fazer meu primeiro “longão” (12km) com o tênis barefoot. Fui com o coração acelerado, metade animação e metade medo. E foi uma delícia! Corri super bem, novamente sem dor. Terminei a corrida sem dor no pé e sem dor na unha – e me dei conta do quanto eu sentia dor antes sem perceber que era dor! Fiquei tão empolgada e tão animada que resolvi escrever esse relato pra vocês!
Pois pra mim todo mundo merece viver com os pés livres. Sem dor, sem machucados, sem opressão. Ainda não temos calçados barefoot completamente acessíves (e até bonitos) como temos fora do brasil, mas acredito que é só uma questão de tempo… e de demanda de mercado. É por isso, por esse 1 ano e meio de vivência “barefoot” e por ter visto minha saúde melhorar e minha corrida melhorar, que eu queria contar pra todo mundo minha experiência.
Que eu queria que todo mundo tivesse a oportunidade de ter pelo menos um calçado estilo “barefoot” pra entender o que é terminar um dia cheio (ou um treino) sem dor no pé, sem cansaço nas pernas, sem essa sensação esquisita que ainda não tem um nome que é passar o dia inteiro com o pé espremido dentro de uma caixinha de fósforo.
Espero que esse meu relato te faça querer testar. Ou pelo menos, que te faça querer estudar mais, pesquisar mais, repensar mais as “verdades” que nos vendem por aí. E que, se você decidir testar, você seja a voz da liberdade para outros pés também. Vamos juntes?
Por um mundo onde todos os pés sejam livres!
Com amor, Ju.
Se você quiser saber mais – inclusive ter dicas de exercícios para começar a fortalecer os pés, tem uma playlist inteirinha com vídeos sobre esse tema no nosso canal do YouTube.
Dá uma olhada nesse link aqui.
E também no vídeo ao lado, onde conto a resenha de todos os meus tênis!