Roda de conversa sobre alimentação vegana, com a Dra. Tatiana Barelloni
No último final de semana, tive a oportunidade de participar de uma roda de conversa sobre alimentação vegana, com a médica pediatra Tatiana Barelloni, que falou sobre o veganismo nas várias fases da vida, desde a gestação, nascimento, crescimento até a idade adulta e nos mostrou que com uma alimentação variada e o acompanhamento por profissionais qualificados, a alimentação vegana é muito saudável e segura!
A maioria das pessoas apoia a filosofia vegana, que engloba não só a alimentação mas todo um estilo de vida sustentável, de respeito aos animais, aos direitos humanos e ao planeta.
No entanto, muitas pessoas deixam de adotar essa opção em suas vidas por pensar que é uma escolha que envolve restrições, risco de carências nutricionais e isolamento social.
Antes de começar a roda de conversa, tive a oportunidade de ter um bate papo com a Dra. Tatiana sobre algumas questões mais pessoais e práticas.
Tatiana é médica Pediatra e me contou que nasceu em uma família de onívoros, porém desde sempre teve dificuldades em comer carne. Quando passou a morar sozinha, durante a faculdade, naturalmente se tornou vegetariana. O caminho para a opção não só pela alimentação mas por todo o estilo de vida vegano foi uma consequência natural porém na época, há 8 anos, pouco se falava na mídia sobre esse estilo de vida.
Ela teve que procurar sozinha informações a respeito, já que morava numa cidade pequena onde ninguém que ela conhecia era vegano… Buscou livros, blogs, literatura médica… e um dia, tomou a decisão. Desde então, ela não só adota este estilo (assim como seu esposo), mas teve duas gestações e cria seus dois filhos dentro desta filosofia.
A história da Tatiana é interessantíssima. Uma coisa que sempre me questionei foi em relação à aceitação das pessoas e ao isolamento social. Ela me disse que a família e amigos sempre apoiaram. Que em situações sociais, ou ela conversa antecipadamente com os anfitriões para poder levar seus alimentos ou, com o passar do tempo, os próprios anfitriões se oferecem para fazer uma opção vegana no cardápio.
Um dos grandes desafios aconteceu quando os filhos precisaram frequentar a escolinha em horário integral e ela convenceu a escola a adotar um almoço vegano. Ela conta que de uma forma geral, as pessoas são muito receptivas às restrições alimentares (desde que estas sejam por motivo de saúde, como intolerância à lactose, diabetes, doença celíaca); no entanto, quando se trata de uma restrição por escolha pessoal, ela enfrentou bastante resistência. Porém, com muita conversa e esclarecimento, a escolinha adotou o cardápio vegano e, depois de um certo tempo, ela começou a receber o feedback de outros pais, contando que seus filhos passaram a gostar de legumes, melhoraram o hábito intestinal, estavam mais ativos… Um grande ganho em saúde!
Quando a roda de conversa começou, o tom ficou um pouco mais “científico”. Vou pontuar algumas questões importantes levantadas:
Vitamina B12
Este é o único nutriente que o vegano precisa necessariamente repor, em qualquer época da vida. No entanto, no Brasil, não existem formulações com B12 isolada. A opção é manipular ou importar, o que pode dificultar um pouco a reposição.
No caso da manipulação, deve-se levar em conta também a origem da vitamina B12 (que não pode ser animal) e o veículo onde será manipulada.
A necessidade diária de B12 é de 10-20 microgramas por dia (dependendo da faixa etária) e na maioria das vitaminas, a quantidade fornecida é bem maior. Fora do Brasil, além da maior disponibilidade de opções da farmácia (tem vitamina B12 vegana até em spray oral), muitos alimentos são fortificados; com isso, nos EUA por exemplo, dificilmente é necessária a suplementação. Infelizmente esta não é a realidade no nosso país.
Para monitorizar se o corpo está tendo um aporte adequado desta vitamina, ela diz que a dosagem sanguínea da B12 não é um exame perfeito; para avaliar o “status” (reserva) da B12 no organismo, o ideal é combinar essa dosagem com a da Homocisteína e o ácido metil-malônico (porém infelizmente essas dosagens não são feitas pelo SUS).
O surgimento de anemia por deficiência de B12 é um dos últimos degraus dessa carência nutricional e também não deve ser usado como parâmetro para iniciar a reposição.
A periodicidade da realização do exame de sangue deve ser individualizada e o início da suplementação com B12 deve ser assim que se iniciar a alimentação complementar do bebê (quando ele deixar de ter amamentação exclusiva).
Vitamina D e Cálcio
Os veganos possuem o mesmo risco que a população em geral de ter carência de vitamina D.
Um dado interessante que ela colocou foi que, atualmente, a sociedade de dermatologista prega a não-exposição solar na primeira infância pois esta é a fase que determina o risco de câncer de pele.
O ideal nesta faixa etária, portanto, é suplementar a vitamina D, porém esta decisão deve ser individualizada pois outros fatores estão envolvidos no risco de carência de vitamina D.
Em relação ao cálcio, são muitos os alimentos de origem vegetal que são ricos em cálcio e muitos inclusive com biodisponibilidade maior do que a do leite (esse foi um dado interessantíssimo!). Além dos vegetais verde escuros (como brócolis e espinafre), um dos alimentos com bastante teor de cálcio é a chia (1 colher de sopa tem 100mg de cálcio!). A linhaça, o gergelim e o tahine também são muito ricos em cálcio!
E um dado interessante em relação às leguminosas é que a biodisponibilidade do cálcio não é afetada pelo ferro delas, diferentemente do que ocorre com o cálcio do leite e o ferro da carne: se ambos forem consumidos juntos, o cálcio de um quela (gruda) no ferro do outro e nenhum dos dois é absorvido.
Ômega 3
O ômega 3 é uma gordura essencial para vários processos metabólicos no organismo e está presente em fontes animais (como peixes) e não animais (como sementes – linhaça e chia, entre outros).
Em relação à proteção cardiovascular, qualquer fonte é adequada porém, há algum tempo atrás eu havia lido que para a proteção do cérebro somente o ômega 3 de origem animal teria benefício.
Ela me respondeu com estudos mais recentes dizendo que o benefício ocorre também com fontes vegetais de ômega 3, por causa de processos metabólicos que nosso próprio organismo é capaz de realizar.
Para uma ingesta adequada de ômega 3, ela sugere o óleo de linhaça prensado a frio (que deve ser colocado sobre o alimento já pronto, de preferência já no prato, uma vez que se ele for cozido perde as propriedades) e a chia.
Esta suplementação (via alimentos) deve ser também tão precoce quanto a da B12 (começar logo quando for introduzida a alimentação na criança) e deve-se ter especial cuidado durante a gestação (fase em que a necessidade diária de ômega 3 aumenta).
Outros nutrientes
- Zinco: uma fonte importantíssima são as leguminosas e quanto mais tempo forem deixadas de molho antes do preparo, melhor é a absorção do zinco.
- Proteínas (aminoácidos): antigamente acreditava-se que para obter todos os aminoácidos essenciais em uma refeição, era necessária a combinação de cereais e leguminosas em cada refeição, na proporção de 2:1. Hoje isso caiu por terra: sabe-se que, se a ingesta de leguminosas for variada, o importante é obter todos os aminoácidos essenciais ao longo do dia (não necessariamente na mesma refeição). E para que isso seja possível, deve-se rodiziar as leguminosas: diversos tipos de feijão tem perfil de aminoácidos diferente, assim como a lentilha, grão de bico, ervilha, etc.
Gestação e aleitamento
Durante a gestação, além da suplementação com B12 e, em alguns casos, da Vitamina D, e do “reforço” dietético de ômega 3, deve-se já começar a preparação para o aleitamento materno (o que deve ser feito por todas as mulheres, independente de serem ou não veganas), pois os estudos mais recentes mostram que desde o começo da gestação, este “microambiente uterino” favorável ou desfavorável é capaz de modificar o risco de doenças na infância e também na idade adulta.
Portanto, a preparação para uma vida saudável deve começar o quanto antes. Assim como a preparação para o aleitamento.
Dra. Tatiana reforça a importância do aleitamento materno exclusivo até os seis meses, em especial nos bebês veganos, pois o leite materno é o alimento mais completo e perfeito para qualquer criança.
Nos casos em que a amamentação não é possível por motivos de saúde, a escolha da suplementação do bebê deve ser individualizada.
Após 6 meses de idade: quando os bebês começam a conhecer os alimentos
Como dito anteriormente, esta é a fase onde já se deve começar a suplementação dos nutrientes essenciais, no caso de bebês veganos.
Uma observação importante é que entre 6 e 12 meses, a suplementação de ômega 3 deve ser feita apenas com óleo de linhaça pois a chia tem potencial de alergenicidade. Portanto, ela só deve ser introduzida após 1 ano de idade.
Nesta faixa etária, tomar cuidado com sopas pois por serem diluídas em água, o maior volume leva a uma menor densidade energética e isso pode ser um risco para os bebês. Portanto, preferir legumes cozidos não processados em liquidificador.
Infelizmente eu não pude ficar até o final da conversa e acabei perdendo as recomendações para adultos.
Porém, um site recomendado pelo grupo foi o do Dr. Eric Slywich (link aqui) que traz muitas informações interssantes para quem pensa em adotar ou já adota esse estilo de vida.
Espero que tenham gostado do texto!
Uma ótima semana a todos e um forte abraço!
31/08/2016 @ 00:06
Muito bons os esclarecimentos sobre alimentação vegana para quem é ou pretende ser. Informação é tudo para evitar problemas de saúde. Mas continuo na minha alimentação "normal" com bom senso claro… Bjs M