COMUNICAÇÃO & PRECONCEITO (O caso do “piolho”)
Há alguns dias, um fato ocorrido no nosso ambulatório acadêmico me fez refletir muito sobre o quanto uma comunicação truncada pode arruinar relacionamentos – de trabalho, afetivos ou mesmo sociais.
Vou relatar o ocorrido e gostaria de convidar você a fazer um exercício: antes de ter uma opinião a respeito, leia ate o final. Adie um pouco o seu julgamento sobre os fatos – e veja se com esse “experimento” algumas fichas caem pra você.
Estávamos no nosso ambulatório acadêmico (onde alunos de medicina e médicos residentes atendem pacientes sob a supervisão de preceptores) quando uma mãe de uma criança ficou extremamente ofendida com um de nossos alunos por ele ter identificado na criança a presença de piolho. Essa mãe reagiu de forma bastante agressiva, afirmando que nosso aluno estava insinuando que ela e sua filha não tinham “higiene adequada” (prefiro não usar as palavras exatas para poupar você, leitor).
Acontece que o atendimento tinha outras testemunhas e nosso aluno de forma alguma falou tal frase – ele apenas identificou o parasita e disse que seria necessário tratamento.
Essa reação da mãe mobilizou todos da equipe – e todos ficaram bastante chateados com o ocorrido. Depois que os ânimos se acalmaram, decidi tentar olhar para esse evento com o olhar do aprendizado – o que esse mal entendido poderia nos ensinar? Comecei então a refletir: o que será que esta mãe estava sentindo? O que pode ter levado a essa reação?
Compartilho com vocês minhas reflexões:
COMUNICAÇÃO
No coaching, aprendemos que a responsabilidade da comunicação é de quem comunica. E um profissional que depende da interação com outras pessoas para que seu trabalho seja bem sucedido (como por exemplo um médico, professor, vendedor) deveria dedicar um pouco do seu tempo para aprimorar suas habilidades de comunicação.
Porém, infelizmente, na nossa formação técnica, essa habilidade não é muito bem explorada. E isso pode trazer problemas.
Um outro detalhe que atrapalha a comunicação é o estado de presença. O médico (e, acredito eu, muitos outros profissionais) é treinado para ser o mais tecnicamente perfeito possível. Saber o máximo de teoria, aplicar essa teoria na pratica fazendo um bom diagnostico e propondo o melhor tratamento possível. E isso muitas vezes impede o estado de presença.
Explico: se o foco (a atenção) estiver 100% direcionado ao diagnostico e proposta terapêutica, não vai estar na escuta empática.
No entanto, a comunicação é sim uma via de mão dupla. E depende muito também de quem recebe a informação.
Existe um conceito que diz que duas pessoas podem VER a mesma coisa e efetivamente ENXERGAR coisas diferentes (Massad et al, 1979).
A forma como PROCESSAMOS o que estamos vendo depende muito de dois fatores internos:
O nosso “mapa mental” (ou sistema de crenças), ou seja, os conceitos que temos sobre o mundo.
Por exemplo, algumas pessoas adoram frio e outras adoram o calor. Para o primeiro grupo, um dia de verão é um dia triste enquanto para o segundo grupo, é um dia ótimo.
Ou seja, um dia de verão é apenas um dia de verão – o que muda é a nossa crença sobre o que é um dia de verão.
O nosso estado de espírito naquele momento (ou seja, o humor que temos no dia).
Por exemplo, imagine que você acabou de dar uma topada no dedão do pé. Doeu, certo?
Agora imagine que você acabou de dar uma topada no dedão logo após receber a noticia de que perdeu o emprego. A dor pode ser percebida como muito mais forte!
Por outro lado, imagine que a topada aconteceu logo após você receber a noticia que ganhou na Mega-Sena. Aposto que a dor nem vai ser tão grande assim!
Resumindo: uma topada pode ser mais ou menos dolorosa dependendo do seu humor!
E como isso se reflete na historia acima?
O desfecho desagradável da interação entre medico e paciente pode ser explicado por todas essas nuances.
Para um médico, um piolho é apenas um piolho – o foco é tratar e resolver.
Porém para quem recebe a noticia, isso pode significar muito mais do que um simples parasita. Pode significar tantas coisas que nem vou me arriscar a tentar adivinhar.
Mas posso tentar inferir algumas coisas, que me levaram a reflexão seguinte.
PRECONCEITO
Os tempos modernos tem cada vez mais removido o véu dos grandes preconceitos velados. Porém, ainda observamos na nossa sociedade diversos TABUS.
Tabus em reação ao que é “certo”e ” errado” , ao conceito de “sucesso”, a quem vale mais que quem.
E puxando a brasa aqui para a minha área, muitos são os tabus relacionados a doenças e doentes.
Se até mesmo um piolho, uma gripe ou uma conjuntivite pode gerar reações ruins nas pessoas (já aconteceu com você de alguém ter uma reação de susto e se afastar quando você diz estar com alguma doença contagiosa?) imagina como deve se sentir uma pessoa que tem alguma questão de saúde mais visível?
Um grande exemplo disso é o vitiligo e o caso de Michael Jackson. O sofrimento que ele passou por ter essa alteração de pele foi tão grande que culminou com o final da historia que todos conhecemos.
Outras situações também semelhantes são a elefantíase, o lábio leporino, e ate mesmo a chamada “orelha de abano”. Sem falar na infeção por HIV, tuberculose, herpes labial, psoríase e até mesmo a obesidade grave…
Fico pensando: como é que essas pessoas se sentem?
Se adoecer ja é difícil por si só, não poder contar com o apoio das pessoas torna essa jornada ainda mais desafiadora.
E pior ainda é receber um olhar atravessado ou curioso…
Será que ao invés de julgar e reagir, nao deveríamos ser mais generosos com o outro quando os percebemos em situações de vulnerabilidade?
Será que nao seria bem mais eficaz, para uma comunicação CLARA, ao invés de julgar e reagir ao que o outro disse, pararmos um minuto e tentar entender o que realmente o outro quis dizer?
Se a nossa postura diante daquilo que nos “incomoda” fosse mais de acolhimento do que de defesa, muitas falhas de comunicação poderiam ser evitadas.
Se pudéssemos estabelecer um olhar e uma comunicação mais empática, com certeza o mundo se tornaria um lugar muito mais amoroso e acolhedor – e o mesmo aconteceria dentro dos serviços de saúde (tanto do médico para o paciente quanto do paciente para o médico também!).
Um forte abraço a todos!
17/08/2018 @ 14:59
Excelente o texto e a colocação! Realmente vivenciamos um mundo cheio de preconceitos e julgamentos absurdos. E cada um deve fazer a sua parte para melhorarmos isso. Parabéns!