O post de hoje é sobre um tema diferente, um tema que há muito tempo eu queria escrever: “Onde a Genética e a História do Brasil se encontram?”…
Na verdade, fiz um vídeo explicando tudo! Mas vou contar com um pouquinho mais de detalhes aqui no blog, também para aqueles que não conseguem escutar poderem ler sobre essa estorinha!!!
Quem me acompanha aqui no blog sabe que eu gosto de começar os posts contando um “causo”, uma situação que me levou a querer escrever (ou, no caso, narrar) sobre isso…
Tudo começou na Alemanha, há dois anos atrás quando fiz meu “Doutorado Sanduíche“… Na verdade, na prática clínica, eu trabalho com todos os tipos de doenças, principalmente as mais comuns uma vez que eu trabalhei muitos anos no SUS… Mas na pesquisa eu trabalho com doenças raras e em 2014 tive a oportunidade de fazer uma parte da minha pesquisa na Alemanha.
Vista aérea da cidade de Lübeck, no Norte da Alemanha (foto minha)
Fui junto com uma outra pesquisadora do Brasil, que trabalha no mesmo grupo de pesquisa, com os mesmos pacientes, aqui na Unicamp… A Helena! Ela é bióloga e trabalha com DNA e lá ela ficava no laboratório com as células enquanto eu ficava no microscópio com as minhas lâminas… Ela me ajudou muito e eu sou muito grata!!!
Helena e eu, no centro de pesquisa da Universidade de Lübeck
Um belo dia, nosso chefe contou que todo ano, havia um simpósio da Universidade onde eram apresentados todas as pesquisas em andamento e ele pediu que a gente apresentasse o nosso trabalho… Mas tinha um porém: a apresentação era de 10 minutos para cada trabalho e como eu e a Helena trabalhávamos com a mesma doença, teríamos que dividir a “vaga” e apresentar em 5 minutos cada uma… Em inglês, para uma plateia de pesquisadores alemães!
Eu e Helena apresentando uma parte do trabalho no Congresso anual da ESPE (Dublin, 2014)
Como eu trabalhava com a parte clínica, coube a mim começar a apresentação e aí pensei:
– Como fazer os alemães entenderem nossas diferenças genéticas?
– Como explicar por que temos mais doenças genéticas aqui do que eles lá?
– Por que seria interessante ter pesquisadores brasileiros usando a tecnologia de lá com pacientes daqui?
– E por fim: como mantê-los interessados numa apresentação em inglês e “a jato”?
Comecei a apresentação mostrando uma figura de um mapa do Brasil em escala, sobreposto ao mapa da Europa, para que eles tivessem noção do tamanho (continental!) da nossa nação, situação que nos levava a ter uma população ENORME (quanto mais gente nascendo, maior a chance de termos doenças genéticas!);
Mapa do Brasil em escala, posicionado sobre o mapa da Europa
Além disso, temos uma geografia tal que possibilita áreas de isolamento populacional – populações isoladas casam e se reproduzem entre si, predispondo a sobrevivência / perpetuação de genes recessivos;
Mas não é só por isso que temos mais doenças genéticas aqui do que lá: tem também o FATOR CULTURAL, pois aqui o casamento consanguíneo (entre pessoas da mesma família) é permitido e lá na Alemanha não! Todos os casos de doenças genéticas familiares de lá são “importados” (geralmente imigrantes da Turquia) pois lá é proibido casar com primo!
Além do tamanho, da geografia e da cultura que permite casamentos consanguíneos, a nossa origem étnica é bem peculiar. Se olharmos para a história temos um Brasil com uma população nativa que é indígena; que foi colonizada por Portugueses em toda a sua extensão… Por africanos principalmente na costa e nas áreas agrícolas e, posteriormente, por outros Europeus (principalmente no sul), além de japoneses, árabes, etc… Isso em diversos momentos da História…
Os movimentos de colonização e imigração para o Brasil…
Isso faz com que haja diferentes predomínios étnicos nas diferentes partes do Brasil:
– Temos um predomínio de descendentes de Europeus no Sul;
– De descendentes de Africanos na costa;
– De descendentes de Indígenas no interior (em especial ao Norte);
– E ainda, áreas menores com predomínio de Italianos e Holandeses (interior de SP), Japoneses (SP capital), Libaneses (RJ e SP)…
– E o Rio de Janeiro, talvez por ter sido a Capital por muitos anos, tem sua população extremamente mista! O Rio é mistura!!! (#muitoamor)
Essas diferenças étnicas impactam diretamente na frequência de doenças genéticas por região. Um exemplo interessante é a Talassemia (um tipo específico de anemia), que tem uma frequência de 75% na população do Sudeste do Brasil e de apenas 1% no Norte!
Essa diferença é explicada pelas diferentes origens étnicas das populações das duas regiões.
Falando um pouco de doenças endócrinas, temos um exemplo bem interessante do Carcinoma de Adrenal (um tipo de câncer muito agressivo que acomete a glândula adrenal e pode ter origem familiar ou esporádica). Esse tipo de câncer é raríssimo no mundo inteiro porém bem frequente no Brasil, em especial no sul de São Paulo e norte do Paraná.
Por conta disso, os pesquisadores Brasileiros são os que tem maior experiência e maior número de publicações sobre essa doença e o mundo inteiro vem aprender com a gente quando se trata de um caso como esse!
Curiosidade: fizeram um estudo do porque dessa frequência tão alta aqui e parece que foi um único Português, que veio para o Brasil entre 200 e 300 anos atrás; acredita-se que ele era comerciante e andava por várias regiões de isolados geográficos, espalhando seu DNA Brasil adentro (hehehe)…
Quando isso acontece, em genética chamamos de “Efeito de Gene Fundador”, que é quando uma origem única de uma doença genética se perpetua geração após geração.
Situação semelhante ocorre no sul de Minas e um pouquinho do Norte de SP, onde temos uma alta frequência da doença chamada “Hiperplasia Adrenal Congênita“.
Em resumo, é uma doença que se não diagnosticada rapidamente, leva à morte de bebês entre a segunda e a terceira semana de vida e por este motivo ela foi incluída na triagem neonatal (teste do pezinho).
São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais são pioneiros nessa ampliação do teste do pezinho justamente pela grande frequência desta doença nestas populações.
No interior da Bahia temos um outro isolado geográfico com alta frequência de mutações em dois genes que levam à ambiguidade genital: o gene da enzima 5-alfa redutase e do SF1 (NR5A1). E é sobre esse último gene que eu e a Helena fizemos nossa pesquisa.
Depois disso, apresentei meu trabalho específico e a Helena apresentou o dela…
Concluí a apresentação com esta imagem, de vários brasileiros em várias partes do país, todos tão diferentes… Usei eu e a Helena como exemplo: ambas somos Brasileiras porém eu moreníssima e ela loiríssima!
E falei que no nosso país, nós podemos ter diferentes “caras”, mas somos todos brasileiros, filhos de uma única nação! (#muitomuitoamor)
Somos todos brasileiros!!!
(OBS: Eu achei que a foto que iria causar mais comoção seria a do Rio de Janeiro, mas na verdade eles ficaram impressionados em ver que o Brasil tem Oktoberfest que é igualzinha a de lá! Hehehe…)
Queria terminar este post (vídeo) dizendo que o Brasil é um país de belas misturas, onde História e Genética se encontram para contar de onde viemos e porque somos tão lindos… Mas não temos só belezas, temos também conteúdo!
(Era época da copa lá e depois do 7 a 1 nossa moral no futebol não andava muito boa… rsrsrs… Mas acho que conseguimos representar bem a Ciência Brasileira e mostrar que justamente por sermos tão peculiares é que somos tão ricos!)
E é exatamente por isso que eu voltei e daqui não saio!
Aproveito pra terminar fazendo esta declaração de amor: TE AMO, MEU BRASIL!
Super legal saber que nossa extensão territorial traz coisas boas mas também doenças tão diversas! Parabéns pelo texto! Os alemães devem ter gostado muito da apresentação. Bjs M
Usamos cookies para garantir que oferecemos a melhor experiência em nosso site. Se você continuar a usar este site, assumiremos que está satisfeito com ele. Política de PrivacidadeOk
Anônimo
10/07/2016 @ 00:04
Super legal saber que nossa extensão territorial traz coisas boas mas também doenças tão diversas! Parabéns pelo texto! Os alemães devem ter gostado muito da apresentação. Bjs M